segunda-feira, 24 de agosto de 2009

No caminho com Maiakóvski


A gentil amiga Lê, do blog Brinquedo de Mulher, teve a delicadeza de transcrever o poema inteiro (que eu não conhecia) do Eduardo Alves Costa.

Mesmo que já estejamos em contexto bem diferente daquele em que foi composto, vale a pena passear pelos versos e mensagem ainda muito atuais.



No caminho com Maiakóvski
Eduardo Alves Costa.

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor e o que vejo
e acabo por repetir não mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,o coração grita
- MENTIRA!





10 comentários:

Impasse Livre disse...

cara, um popema dramático, mas singelo e doído ao mesmo tempo expressando tb beleza e paz. e o blog da menina muito bom, assim como o seu dr evandro! parabéns, por isso é sempre bom voltar aqui! abração, leandro

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

isto é perfeito ... o contexto atual em parte pode ser diferente mas ainda é e sempre será atualíssimo ...

bjux

;-)

Mylla Galvão disse...

Evandro,Vc gosta de Fernando Pessoa? No Lua Imaginada, vou fazer uma semana em homenagem a ele... Passa lá para dar uma olhadela e saborear bela poesia... http://luaimaginadapoemas. blogspot.com

Abraços

Wanderley Elian Lima disse...

Como lhe falei anteriormente , quando tive dúvida da autoria, este é um dos poemas que mais gosto. Para mim ele é como a música "como nossos pais" esta sempre atual.
Abraço

Jou Jou Balangandã disse...

Evandro, sua cidade natal, mesmo sem ser o Rio, continua maravilhosa!

Obrigada pela visita!

Bjos

eu... disse...

Obrigada pela referencia a meu blog e tbm pelo gentil Evandro,mas,
confesso que quando colei aqui, achei que vc pudesse achar ruim,afinal é um belíssimo,mas looongo poema!Talvez por isso muitas pessoas só conhecem aquele primeiro estrofe que vc havia postado anteriormente.

Bjs e uma boa semana.

Ananias Duarte disse...

Parabéns amigo Evandro pelos lindos post. Sempre coisa boa!
Deixo de tecer comentário sobre o poema, pois 'não tem preço'!
abraços

Lucia Luz disse...

Concordo com o Ananias.
Como comentar o já dito?
Beijinhos

Anônimo disse...

Para esclarecer definitivamente essa questão da autoria da autoria do trecho de poema: "Na primeira noite eles se aproximam ..."
Bem, o trecho é do poema de Maiakovski intitulado DESPERTAR É PRECISO. Eduardo Alves da Costa em seu poema NO CAMINHO COM MAIAKOVSKI, evoca o poeta russo e diz ao mesmo; "Tu sabes, conheces melhor do que eu a velha história." e menciona a citação de Maiakovski originalmente do poema DESPERTAR É PRECISO. O que gerou essa confusão é que o poeta niteroiense esqueceu que quando se cita frases, textos, sentenças proferidas por outra(s)pessoas(s) essas devem receber aspas.

Evandro Varella disse...

Obrigado Anômimo pela boa contribuição. Assunto interessante esse, não?
Abraços

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails