Admitir ou não que uma empresa precisa de ajuda é uma barreira psicológica, que muitas vezes impede a recuperação de um negócio. Todos nós, em algum momento das nossas vidas, precisamos dar um passo atrás, rever decisões ou buscar amparo em profissionais mais experientes. É parecido quando espirramos, e em geral acreditamos que o espirro é um episódio esporádico com causa externa.
Se o corpo não repete o espirro,
confiamos que está tudo bem. Afinal, a mente é assim: superada a consequência,
tocamos a vida em frente sem muita preocupação com alguma sequela ou algo mais
grave se avolumando. Mas se os espirros se intensificam ou surge uma coriza,
então entendemos que é hora de tomarmos alguma providência, um antigripal e
muitas vezes preferimos acreditar que está tudo bem, afinal confiamos na
capacidade do sistema imunológico do nosso corpo.
E sim, realmente, muitas vezes o
corpo se recupera superando aquele fato.
Mas, se não dermos importância e
deixarmos a doença progredir, se instalando de maneira sorrateira até minar
nossa resistência?
O resultado pode ser muito grave.
Às vezes, superar a inércia e o
medo de que algo mais grave esteja acontecendo e perceber que os sintomas são
sinais importantes de adoecimento levam um tempo precioso que o corpo não
dispõe.
Nessa situação de agravamento, é
iminente ir ao médico e buscar ajuda externa e cuidados, sem o que os
resultados possam significar a diferença entre a vida e a morte.
Nas empresas não é diferente.
Muitas vezes, os sinais aparecem de maneira quase imperceptível.
Pequenos desajustes, erros
operacionais, reclamação de cliente, falta de caixa, atrasos nos recebimentos
ou mesmo a queda nas vendas ou um pedido de demissão inesperado de algum
profissional sem motivo aparente. Se não atentamos a esses fatos corriqueiros, podemos,
sem perceber, deixar que a “doença” se instale gradativamente até que já seja
difícil o “corpo/empresa” se recuperar por sua própria biologia interna.
A situação pode se agravar se
gestores e acionistas levarem muito tempo para começar a perceber esse estágio
e iniciar ações de cuidado.
Nesses casos, os cuidados internos,
embora necessários, podem já não ser suficientes para estimular a recuperação
da empresa/corpo adoecido.
Outro fator importantíssimo é a
negação dos fatos. O exemplo do paciente, que imagina que o espirro é apenas um
fator exógeno, muitas vezes, equivale ao de gestores que, mesmo com dados e
sentindo os efeitos do adoecimento da sua empresa, entram num processo de
negação da realidade e atribuem os reveses apenas a fatores externos, por
exemplo, a crise, a situação econômica do País, a falta de incentivos ou mesmo
o momento político atual.
A depender do tempo que se leva
para entender e superar essa barreira psicológica de admitir sua própria responsabilidade,
perdem-se as oportunidades de uma ação efetiva que poderia salvar o negócio de um
destino fatídico.
Mas sabemos que a natureza humana
tem essas contradições, então o que pode ser feito quando o corpo/empresa já adoecido não
encontra meios e alternativas próprias para se recuperar? Ora, o mesmo que
fazemos quando percebemos que é hora de ir ao médico.
Hoje já há no mercado brasileiro,
empresas especializadas na gestão e recuperação de empresas adoecidas. São
capazes, através de um diagnóstico preciso e com instrumentos modernos, avaliar
quais intervenções são fundamentais à sobrevivência da empresa.
Profissionais sérios serão capazes
de pontuar medidas e intervenções cirurgicamente calculadas para recuperação da
organização. Isso porque eles verão o negócio com um olhar externo, ético e
isento e sem os envolvimentos emocionais que permeiam e dificultam a tomada de
decisões dos gestores e acionistas.
Mas há que se ter consciência,
pois, assim como num paciente que já chega em estado de doença avançado, as
intervenções poderão não gerar os resultados desejados, mas ao avaliar os
riscos e benefícios, mas há que se ter coragem e humildade para pedir ajuda,
pois essa pode ser uma alternativa para aumentar as chances de sobrevivência.
Mas há como prevenir a doença? Sim,
não tenha dúvidas. Mas é preciso, periodicamente, procurar auxílio externo
competente, isento e ético, além de ter um olhar atento sobre fatos e exceções
nos processos diários. É importante que você avalie constantemente os riscos
que essas anomalias podem causar. E, ao perceber que essas disfunções podem ser
sinais de que algum desajuste maior, reúna sua equipe e discuta alternativas e
soluções.
E mais: redobre a atenção sobre o
feedback dos seus clientes e funcionários, agindo rapidamente em caso de
necessidade. Por fim, admita que sua competência nem sempre é suficiente para
consertar as coisas.
*Evandro Varella - Faculdade
IBS/Fundação Getulio Vargas
Publicado No Jornal Diário do
Comércio em 23/08/2016