terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Um remédio às vezes amargo





Admitir ou não que uma empresa precisa de ajuda é uma barreira psicológica, que muitas vezes impede a recuperação de um negócio. Todos nós, em algum momento das nossas vidas, precisamos dar um passo atrás, rever decisões ou buscar amparo em profissionais mais experientes. É parecido quando espirramos, e em geral acreditamos que o espirro é um episódio esporádico com causa externa.

Se o corpo não repete o espirro, confiamos que está tudo bem. Afinal, a mente é assim: superada a consequência, tocamos a vida em frente sem muita preocupação com alguma sequela ou algo mais grave se avolumando. Mas se os espirros se intensificam ou surge uma coriza, então entendemos que é hora de tomarmos alguma providência, um antigripal e muitas vezes preferimos acreditar que está tudo bem, afinal confiamos na capacidade do sistema imunológico do nosso corpo.

E sim, realmente, muitas vezes o corpo se recupera superando aquele fato.
Mas, se não dermos importância e deixarmos a doença progredir, se instalando de maneira sorrateira até minar nossa resistência?

O resultado pode ser muito grave.

Às vezes, superar a inércia e o medo de que algo mais grave esteja acontecendo e perceber que os sintomas são sinais importantes de adoecimento levam um tempo precioso que o corpo não dispõe.

Nessa situação de agravamento, é iminente ir ao médico e buscar ajuda externa e cuidados, sem o que os resultados possam significar a diferença entre a vida e a morte.

Nas empresas não é diferente. Muitas vezes, os sinais aparecem de maneira quase imperceptível.

Pequenos desajustes, erros operacionais, reclamação de cliente, falta de caixa, atrasos nos recebimentos ou mesmo a queda nas vendas ou um pedido de demissão inesperado de algum profissional sem motivo aparente. Se não atentamos a esses fatos corriqueiros, podemos, sem perceber, deixar que a “doença” se instale gradativamente até que já seja difícil o “corpo/empresa” se recuperar por sua própria biologia interna.

A situação pode se agravar se gestores e acionistas levarem muito tempo para começar a perceber esse estágio e iniciar ações de cuidado.
Nesses casos, os cuidados internos, embora necessários, podem já não ser suficientes para estimular a recuperação da empresa/corpo adoecido.

Outro fator importantíssimo é a negação dos fatos. O exemplo do paciente, que imagina que o espirro é apenas um fator exógeno, muitas vezes, equivale ao de gestores que, mesmo com dados e sentindo os efeitos do adoecimento da sua empresa, entram num processo de negação da realidade e atribuem os reveses apenas a fatores externos, por exemplo, a crise, a situação econômica do País, a falta de incentivos ou mesmo o momento político atual.

A depender do tempo que se leva para entender e superar essa barreira psicológica de admitir sua própria responsabilidade, perdem-se as oportunidades de uma ação efetiva que poderia salvar o negócio de um destino fatídico.

Mas sabemos que a natureza humana tem essas contradições, então o que pode ser feito quando o corpo/empresa já adoecido não encontra meios e alternativas próprias para se recuperar? Ora, o mesmo que fazemos quando percebemos que é hora de ir ao médico.

Hoje já há no mercado brasileiro, empresas especializadas na gestão e recuperação de empresas adoecidas. São capazes, através de um diagnóstico preciso e com instrumentos modernos, avaliar quais intervenções são fundamentais à sobrevivência da empresa.

Profissionais sérios serão capazes de pontuar medidas e intervenções cirurgicamente calculadas para recuperação da organização. Isso porque eles verão o negócio com um olhar externo, ético e isento e sem os envolvimentos emocionais que permeiam e dificultam a tomada de decisões dos gestores e acionistas.

Mas há que se ter consciência, pois, assim como num paciente que já chega em estado de doença avançado, as intervenções poderão não gerar os resultados desejados, mas ao avaliar os riscos e benefícios, mas há que se ter coragem e humildade para pedir ajuda, pois essa pode ser uma alternativa para aumentar as chances de sobrevivência.

Mas há como prevenir a doença? Sim, não tenha dúvidas. Mas é preciso, periodicamente, procurar auxílio externo competente, isento e ético, além de ter um olhar atento sobre fatos e exceções nos processos diários. É importante que você avalie constantemente os riscos que essas anomalias podem causar. E, ao perceber que essas disfunções podem ser sinais de que algum desajuste maior, reúna sua equipe e discuta alternativas e soluções.

E mais: redobre a atenção sobre o feedback dos seus clientes e funcionários, agindo rapidamente em caso de necessidade. Por fim, admita que sua competência nem sempre é suficiente para consertar as coisas.

*Evandro Varella - Faculdade IBS/Fundação Getulio Vargas

Publicado No Jornal Diário do Comércio em 23/08/2016

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